sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Na internet



Conto ponto com encontro


O concerto já estava pra lá da metade quando o telefone tocou. Pensou em não atender, como sempre fazia. Olhou para o relógio da parede, na sala. Nove e meia da manhã.
- Ora bolas. Quem ligaria numa sexta-feira, às nove e meia da manhã, para minha casa?
Resolveu atender. Interrompeu a audição. Tchaikovsky iria esperar desta vez. Só desta vez. De novo. Geralmente acontecia isso de ser interrompido.
- Alô?
- Bom dia, queria falar com o Júlio, por favor.
- Vai ficar querendo, querida. O Júlio não mora aqui.
- Ué, mudou-se?
- Não, você simplesmente ligou o meu número e não o número do Júlio. Simples, não é?
- Oh, desculpe, então.
- Desculpas? Você tem idéia do atrapalho que você causou ligando para cá agora?
- Nem imagino.
- Pois saiba que eu estava...
- Olhe, senhor, sinto muito em ter interrompido sua ocupação.
- Mas, você nem sabe o que era.
- Nem me interessa, mas se era tão importante para o senhor não deveria ter deixado o telefone no gancho. Se ele estivesse desligado, não teria interrompido.
- Desculpe-me. Fui grosseiro com você. Tem toda razão. O erro foi meu...
- Parece que o senhor está mais calmo agora.
- Por favor, não me chame de senhor. Não sou tão velho assim.
- E como posso chamá-lo?
A conversa demorou ainda uns vinte minutos. Para uma ligação errada, rendeu.
Tchaikovsky cansou de esperar e foi para a discoteca. De novo. Não voltou a se apresentar tão cedo. Mônica ocupava os momentos de folga de César.
No início era por telefone. Em pouco tempo já estavam marcando encontros nas salas de conversas da Internet.
No trabalho ou em casa, César acessava sempre o seu e-mail para ler, ou para enviar, uma mensagem para mônica@.
Como característica da conversa, tinham em comum não perguntar nem expor particularidades. Sabe Deus o que tanto conversavam se não sabiam quem eram. Além de nome e idade (esses dados seriam verdadeiros?) ninguém falava sobre trabalho, dinheiro, namoro ou filhos.
Trocavam fantasias, sonhos e desejos de consumo. Assistiam a esse ou àquele filme, show, peça de teatro. Depois comentavam. Nunca iam juntos. Detalhe. Não se conheciam.
- Meu sonho era ser trapezista e morar num circo. Não ria.
- Como é que eu vou rir? O meu era ser pastora de um pastoril profano. Eu adorava assistir aquelas apresentações quando era menina.
- Já imaginou se o mundo fosse como as crianças o imaginam?
- Seria muito mais bonito e gostoso de se viver.
- Viveríamos viajando de trem, navio e avião pelos quatro cantos do mundo. Lugares exóticos e distantes.
- Lugares eróticos e excitantes.
- Esses também.
- Lugares imortalizados pelo cinema.
- Mas temos tantos lugares exóticos pertinho de nós.
- Nem se comparam à imensidão da cordilheira do Himalaia.
- É mística.
- E saudável. Que o digam os gurus de lá.
- É, mas lá faz tanto frio que as pessoas não envelhecem. Ficam conservadas...
- Boa teoria... e nós aqui nesse calor, deteriorando.
- Se lembra do filme “Horizonte Perdido?”.
- Se me lembro? Quase larguei tudo para ir atrás daquele lugar.
- E o que te fez ficar?
- É que depois assisti “Sete Dias no Tibet” e percebi que, apesar das belezas, a política, a economia e a religião fazem todos os lugares serem iguais.
- É verdade. E Hollywood faz todos serem diferentes.
Diziam que queriam viajar para conhecer a Europa, o interior do Mato Grosso, a Ásia, o Estreito de Gibraltar. Qualquer lugar era merecedor de uma viagem. Carne vermelha faz mal à saúde. Chá de boldo faz bem, mas é ruim...
- Mas são milênios de experiência que os chineses têm. Carne vermelha dificulta a digestão.
- E o chá de boldo? É muito ruim. Até o cheiro é enjoado. Quem tem vontade de tomar isso?
- De boldo eu também não aprecio, mas não há nada mais gostoso e saudável que um chazinho depois do almoço. De canela.
- Erva cidreira.
- Capim santo.
- Esse é “hors concours”.
- Maçã.
- Um cafezinho...
Numa dessas conversas alimentares, César propôs um encontro. Ao vivo. Em carne e osso, para um almoço no sábado.
- Vegetariano – prontificou-se logo Mônica.
- Que seja – César concordou.
Depois daquele encontro marcado, César parava sempre para pensar. Por que propôs o encontro? Não era o seu jeito de fazer as coisas. Mas aconteceu.
Não fazia idéia de como era Mônica. Ficou apreensivo. E se ela estivesse mentindo no que informava?
- E se ela achar que o mentiroso sou eu? Será que eu inventei alguma coisa para ela. Nem me lembro. Acho que não. Mas eu também nunca imaginei que ia dar numa coisa dessa. Almoçar com ela? Que idéia idiota. Em que enrascada eu me meti. Como é que isso foi acontecer? Nem vegetariano eu sou. E se ela estiver mentindo? Se ela tivesse ao menos aceitado um encontro numa churrascaria. Numa pizzaria, vá lá. Mas não, foi logo exigindo comer capim. Eu não sou burro. Nem vaca. Eu como vaca. Não vou e pronto.
A decisão estava tomada, mas como avisá-la? Não iria deixá-la esperando. Precisava arranjar uma boa desculpa, mas não a verdade. Poderia magoá-la.
- Já sei, vou e espero-a sem me apresentar. Vejo-a e conforme for a figura... Boa idéia. Não. Não tenho coragem de fazer uma palhaçada dessa. Mas, por que ela aceitou o convite? Poderia ter dito “não”. Não vou e pronto. Ela não disse, mas eu digo.
Sábado chegou. Mônica não recebera respostas às mensagens enviadas a César nos últimos dias. Estranhou, mas não deu muita importância ao fato. Deveria estar trabalhando e sem tempo de acessar. Ou o computador podia ter dado uma pane. Tantas coisas.
Passou a manhã cuidando de si mesma, como fazia todos os sábados. Manicure, pedicure, coquetel nos cabelos. Antes de tudo isso, uma caminhada no parque da cidade para espantar o sedentarismo.
Na hora do almoço, dirigiu-se ao restaurante escolhido para o encontro.
Sentou-se, pediu umas torradas de alho. Pão de centeio. Esperava César.
- Boa tarde, Mônica.
- Boa tarde.
- O que vai querer hoje?
- O mesmo de sempre. Sábado é dia de suflê de lentilhas, não é?
- Claro. Nossa especialidade.
- Quero um, então.
- Está esperando alguém?
- Estou sim.
O garçom já se afastava quando Mônica o chamou:
- Dá para aumentar um pouquinho o volume do som?
- Claro que sim. Aguarde um instante.
Tchaikovsky, novamente, emocionava a quem o ouvia.



Um comentário:

Anônimo disse...

Prezado Dantas
procurando música brega na internet cheguei ao MUNDO BREGA e de lá a este blog, do qual me tornei visitante.
Visitarei muitas vezes,e ainda ouvirei muita música brega.
grande abraço
Ademir Furtado