sábado, 18 de outubro de 2014

Senhores Cores - Vídeo apresentado no lançamento do livro


Produção: Clóvis Ramos

À guisa de guizos

À GUISA DE GUIZOS

-       Betânia, feche a janela, por favor.
Apesar do “por favor” no final da frase, as frases traziam em si o peso de uma ordem dada com muito rancor. A sala, apesar de fechadas as janelas, se enchia com os gritos alegres dos foliões, as batidas dos bumbos e as tonitruantes melodias despejadas pelos trompetes, trombones, saxofones e a tuba da troça que passava na rua.
- Diabos. A gente não pode nem assistir à tevê por causa desses maloqueiros. - Resmungou enquanto aumentava o volume do aparelho com o controle remoto.
-         É carnaval, seu Jonas. - Betânia tentava contemporizar a raiva de seu idoso patrão.
-         Que carnaval coisa nenhuma. Esse pessoal não tem é respeito pelo sossego dos outros, isto sim.
     Antes que o velho começasse a desfiar o seu rosário de imprecações contra o carnaval e suas barulhentas manifestações, Betânia alegou serviços na cozinha e saiu da sala, que já ficava quente com a falta de circulação de ar por causa das janelas fechadas. Sozinho na sala quente e barulhenta, Jonas levantou-se e, sem desligar a tevê, dirigiu-se ao seu quarto que, como ficava nos fundos da casa, era mais silencioso.
Na cozinha Betânia comentava a ojeriza que o patrão sentia pelo carnaval com outros criados e alguns moradores de casas vizinhas que passaram para conversar com a fiel secretária do lar de seu Jonas.
-         Mas este seu Jonas é osso duro de roer, não é Betânia?
-         Você não conhece da missa um terço Gilmar.
     Gilmar era um mulato novo. Tinha uns 23 anos. Talvez 25. Cuidava dos afazeres de banco e comércio do velho Jonas. Trabalhava há apenas 10 meses, mas já conhecia bem algumas manias e idiossincrasias do patrão. Ele, que lidava com as contas, já testemunhara algumas ocasiões nas quais o patrão preferia perder dinheiro a fazer o negócio do jeito sugerido e que lhe fosse mais vantajoso.
-         Daqui a pouco estará dormindo. Parece um menino mimado. 
Betânia já conhecia as manhas e manias de Jonas. Já trabalhava para ele há 25 anos e já o conhecia antes disso, pois sua mãe era cozinheira da família. Ela frequentava a casa desde menina, acompanhando a mãe e quando já estava mocinha, com seus 13 anos, começou a ajudar oficialmente a casa, recebendo salário. Jonas tinha nela confiança e ela sabia bem corresponder a ele. Via, ouvia, sabia de tudo e se calava. Tamanha confiança gerava conversas à boca miúda entre os frequentadores da casa. Os mais afoitos asseguravam que Betânia era o resultado de um caso que Jonas mantivera com a cozinheira. Mas como a boca do povo tem mais línguas do que dentes, Betânia, que sabia dos bochichos, nunca dera atenção àquilo. Às vezes achava até bom que o povo pensasse assim. Tinham mais respeito. Mas ela sabia que a história era bem diferente.

     Jonas ligara o condicionador de ar de seu quarto e se deitara em sua cama. Baixara as cortinas das janelas escurecendo o ambiente e tornando-o mais silencioso do barulho do carnaval. Deitou-se e, extático, no meio da cama, a olhar o teto, adormeceu.

-         Vamos, Jonas, vamos logo!
-         Calma, esta fantasia é complicada.
-         Deixe-me ajudá-lo... Nossa! Quantos guizos!
-         São 250. Já imaginou o efeito?
-         Que loucura! Mas está uma beleza. Quem desenhou?
-         Eu mesmo. Inspirei-me em alguns trajos da comédia grega.
-         Rapaz, você vai arrasar. Mas só se for logo. Senão a gente fica aqui e ninguém vai nos ver. Tânia disse que iria estar com Sandra nos esperando.
-         Eduardo, meu amigo, este ano, como diz a canção, não vai ser igual àquele que passou... Com Sandra na jogada, vou fazer a festa. Vamos embora que já estou pronto.
     Os dois rapazes saíram correndo do quarto onde Jonas se vestia. Ao passar pela sala, Jonas mal se despediu dos pais, e menos ainda ouviu a recomendação da mãe, que ficou perdida entre as paredes do corredor. Ela ainda ouviu as palavras de Eduardo ecoando pela casa:
-         Tchau, dona Marta. Feliz carnaval.

     Os acordes da banda já iam dobrando a esquina da praça lá embaixo quando Gilmar entrou na sala e viu a televisão ligada sem ninguém assistindo. Voltou à cozinha e perguntou a Betânia se podia desligar o aparelho.
-         Primeiro vá baixando devagar, Gilmar. Depois desligue. À uma hora dessas, seu Jonas já deve estar no terceiro sono.

-         Olha lá, a Tânia, Jonas.
-         Tânia, Tânia - gritaram juntos os rapazes.
-         Jonas, Eduardo. Oi, que bom ver vocês. Tudo bem?
-         Cadê Sandra?
-         Foi comprar uma bebida. Puxa, Jonas, que fantasia bárbara!
-         Obrigado. Se ela é legal assim parada, imagina quando eu começo a pular.
Dizendo isso, Jonas começou a dançar ao som da música que tocava agitando os seus 250 guizos. Parecia uma bateria andarilha.
-         Olha, lá vem Sandra.

     Betânia acabava de preparar o jantar e agora se ocupava em arrumar a mesa. Mesmo morando sozinho, o costume era de servir o jantar com certo cerimonial. Mas fazia parte do cerimonial nunca acordar o velho Jonas se ele estivesse dormindo na hora do almoço ou do jantar. Quando ele acordasse, mais tarde, não iria incomodar ninguém para servi-lo. Ele mesmo faria o serviço. 
Pelo que ela conhecia do patrão, deitando e dormindo àquela hora talvez levantasse só às 11 da noite para jantar. Sem cerimônia, chamou Gaspar e Gilmar para jantarem.
Gaspar era o motorista e pai de Gilmar. Já cinquentão, disputava os favores de Betânia com o próprio filho, mas ela, esperta e decidida, se mantinha calada e séria e não facilitava para nenhum dos dois. Mas também não cortava. Aceitava de bom grado as insinuações, porém repreendia, às vezes, alguma saliência, principalmente de Gaspar, que era casado.

-         Puxa, Sandra está fria comigo.
-         Impressão, Jonas.
-         Impressão nada, Eduardo. Presta atenção. Ela nem me olhou direito.
-         Mas em compensação, ouviu muito bem. Cada movimento seu chama mais atenção que a orquestra... Tlim tlim tlim tlim...
-         Eu estou falando sério, Eduardo.
-         Desencana, meu amigo. Vamos molhar a garganta...
       Eduardo não deu muita trela para as preocupações de Jonas e saiu
pulando ao som da música na companhia de Tânia. Sandra brincava com eles, mas Jonas estava certo no seu depoimento. Ela não parecia estar com o pensamento longe dali. Ela realmente estava esperando a chegada de alguém. Enquanto podia, Jonas procurava se aproximar da garota, sem obter muito sucesso.
Para piorar o quadro, Sandra parecia estar procurando uma pessoa no meio da multidão, enquanto pulava na folia.

-    Será que “seu” Jonas vem jantar hoje, Betânia?
-         Ele sempre vem, Gilmar. Cedo ou tarde, ele aparece.
-         E todo carnaval é assim? Nem ele sai daqui, nem deixa ninguém sair?
-         É, Gilmar! Todo ano, há pelo menos 40 anos.
-         40 anos?
-         É isso mesmo, 40 anos. Algum problema? Deixei de pagar os dias de trabalho de alguém?
A entrada do velho Jonas na cozinha onde os criados jantavam, à súbita, deixou todos perplexos e constrangidos. Levantaram-se e pediram desculpas. O velho rabugiu. Não tinha mandado ninguém parar de comer, apenas entrara na cozinha. Mandou que sentassem novamente, puxou uma cadeira para si e juntou-se à mesa.
-         Betânia, por favor, traga-me um copo e aquela garrafa azul do armário da sala.
Incontinente, a criada levantou-se e rapidamente satisfez o pedido do  patrão.
Jonas derramou o líquido no copo até a metade e começou a beber lentamente, e como quem está pensando alto, falou para os criados:
-         Quarenta anos se passaram. Acho que perdi muito de minha vida por causa desta tristeza enorme que carrego. Sabe que eu estava dormindo agora e sonhei com o carnaval que vivi 40 anos atrás? Eu estava orgulhoso de minha fantasia.
-         Era bonita? - Arriscou Betânia para interagir um pouco.
-         Se era bonita? Acho que sim. Pelo menos era original. Mas, apesar disso, de nada adiantou eu vesti-la. Quem eu queria que me visse não me viu. Voltei para casa, guardei a fantasia e nunca mais a vi.
-         Ainda está guardada, senhor?
-         Está, Gaspar. No mesmo local onde eu a coloquei naquele dia.
-         Aqui, nesta casa, “seu” Jonas? Eu nunca vi, nem nunca soube disso.
-         É, Betânia. Tem muitas coisas que você não sabe. Eu sempre fui muito chato mesmo.
Dizendo isso, sorveu o último gole de bebida do copo.
-         Por favor, me acompanhem neste último trago. É só para fazer um brinde. Ao fim de minha reclusão.
Colocou bebida nos copos dos seus criados, que, surpresos e alegres, brindaram e beberam.
-         O que o senhor quer dizer com o fim de sua reclusão, “seu” Jonas?
-         A liberdade, Betânia. Para mim e para vocês. Vamos dar uma volta por aí. Vamos às ruas. Nós quatro. Vou para o meu quarto me arrumar. Em vinte minutos nós sairemos, aprontem-se.
Puxou a cadeira e saiu em direção ao quarto. Os três entreolharam-se e ficaram em silêncio por algum tempo, se questionando o que fazer.
-         Depois conversaremos sobre isso - disse Gaspar. É melhor fazermos o que ele disse. Vamos logo que já estamos perdendo tempo.
Passados os vinte minutos determinados, os três foram para a sala esperar o redimido Jonas. Meia hora, e nada. Quarenta minutos eram nada frente aos quarenta anos, mas ante a total falta de sinais da saída do velho do quarto, Betânia foi até lá e bateu na porta do quarto. Não foi respondida. Repetiu o chamado. Ouvindo o insistente chamado, Gaspar e Gilmar foram até a porta encontrar a criada e depois de mais uma chamada, sem resposta, resolveram abrir e entrar.
Ao entrarem no recinto frio e escuro, perceberam o Jonas vestido em sua fantasia com 250 guizos. Silenciosos e inertes como o corpo do velho deitado na cama. No rosto, um sorriso poucas vezes visto. Na mão um bilhete quase caindo ao chão.

“Nesta armadura colorida e sonora, entrei uma vez e saí da vida. Se nela estiver novamente, toma-a como uma mortalha. Se nela morri, com ela devo ser enterrado”.       Jonas

-  Oh, meu Deus, - disse Betânia chorando - esse bilhete foi escrito há 40 anos.


sexta-feira, 5 de setembro de 2014

De vez em quando

DE VEZ EM QUANDO
Pedi duzentos gramas de presunto. O balconista retirou do balcão um pacote de presunto light. Inconscientemente, fiz uma careta e ele percebeu. Perguntou-me se  preferia o outro e se eu queria engordar. Ri e disse que podia ser daquele mesmo. 
Foi quando eu ouvi uma voz dizendo: “Coloque trezentos gramas para mim, por favor”.
Enquanto o balconista perguntava se era daquele presunto mesmo e obtinha uma resposta positiva, eu o olhei e senti que naquele momento parei para pensar na vida. Na minha vida.
            Acho que, de vez em quando, nós nos damos conta de que estamos vivos. Só de vez em quando. No mais das vezes, estamos com o piloto automático ligado e nem sabemos o que se passa nas nossas vidas.
            Todos os dias eu ia à padaria e, geralmente, meu marido me acompanhava. Como naquele dia, ou melhor, naquela noite. Já eram quase oito da noite, e nós voltávamos de mais um dia de trabalho. Passamos na padaria e nem comprei pão. Lá em casa já tinha. Quero dizer,  ainda tinha. Precisávamos de leite, queijo e presunto. Duzentos gramas de presunto. Meu marido ficou na calçada conversando com o dono da padaria, que se preparava para fechá-la. Peguei um pote de coalhada antes de pedir o presunto e, literalmente, carregava tudo como se carrega um bebê. Nos braços. Recebi o presunto e, quando fui sair do balcão onde estava sendo atendida, a coalhada caiu no chão. Um estrago. Meus pés ficaram cheios de coalhada. O chão lambuzado com aquela mancha branca e viscosa. Até minha calça ficou suja. Aquele momento foi cruciante. Fiquei morta de vergonha. Desastrada e suja. Ele me olhou, e eu percebi o seu interesse em me ajudar. Pedi um pano, um guardanapo ao balconista. Eu parada com os braços cheios de leite, queijo e duzentos gramas de presunto. E a coalhada derramada no chão e nos meus pés. Ele estava aflito, sei que estava. Procurou como me ajudar, mas não conseguiu achar nada para que pudesse me socorrer. Fiquei morta de vergonha, de verdade. Agora mais forte ainda, pois ele queria me ajudar e não conseguia. Antes ele não tivesse me visto. Nem eu a ele. Um dos balconistas me deu alguns guardanapos. Meu marido, lá fora, nem sabia do ocorrido. Nem me viu. Abaixei-me para limpar os pés. Abraçava o leite, o queijo e o presunto de uma forma tão intensa e tão carinhosa que era eu que devia estar ali dentro dos braços: protegida e escondida. Olhando para o chão e para os meus pés, comecei a limpá-los. Senti a vergonha sumir e ser substituída por um desejo. Ele ali, em pé, esperando seus trezentos gramas de presunto, acompanhava o meu ritual com discrição. Ele me olhava, e eu fiquei desejosa de ter os meus pés lambidos por ele. Devia ter uma língua gostosa. Sinto que enrubesci. Não de vergonha, desta vez não. Era desejo mesmo; tesão. Ele carregava nas mãos um pote de coalhada também. Ele gostava. Será que ele tomaria coalhada servida nos meus pés. Um pote de coalhada derramado no chão e minha vida sendo posta à prova. Eu estava ficando louca?  Ou estava vivendo? De vez em quando, isso acontece com todo mundo. Mas para mim era novidade. Estava casada há um bom tempo e eu amava meu marido. De verdade. Claro que isso não tem nada a ver com a vida que a gente leva, mas o ineditismo da situação que eu estava vivendo ali, com a coalhada derramada no meio da padaria, me fez parar para pensar. Será que ele tinha vontade de lamber meus pés? Nunca pensei em pedir que meu marido o fizesse. Ele nunca tomou a iniciativa. Nem de vez em quando. E lá estava eu de cócoras, abraçada com o leite, o queijo e o presunto, limpando meus pés sujos de coalhada, esperando que ele se aproximasse e me ajudasse. Será que ele sabia que eu não estava sozinha? Na vida,  claro, porque apesar de meu marido estar ali, a cinco metros de mim na porta da padaria, eu me sentia a mais solitária e desapegada criatura do mundo. Minha vida naquele momento, se resumia da um litro de leite, um pacote de queijo, duzentos gramas de presunto e um pote de coalhada estourado nos pés. Era o externo. Isso era o que as pessoas viam. Era o que ele via. O que ninguém via era o que existia dentro de mim. O desejo de ser ajudada. De que ele me ajudasse e me limpasse, lambesse meus pés. Só os pés? Estava ficando louca mesmo. Ele está saindo, se dirigindo para o caixa. Eu ainda luto com os guardanapos, os pacotes nos meus braços, e com meus pés sujos. Peguei outro pote de coalhada, igual ao que havia caído no chão. Passei pelo caixa e encontrei-me com meu marido. Não falei do acidente. Ele não perguntou.
            Demos as mãos e começamos a andar em direção à nossa casa. Ele entrou no carro e passou por nós sem olhar para trás. Não olhei também. Mas pensei,  juro que pensei.
Aos poucos, na caminhada, minha vida voltou ao ritmo normal. O piloto automático estava ligado novamente, mas meus pés reclamavam por outros caminhos. Estavam sujos de coalhada. Minha vida estava coalhada, dura e viscosa. Nem era iogurte. Sem corantes, sem aromatizantes, sem flavorizantes era uma coalhada. Ele se foi e eu fiquei. Pensava comigo: “Será que ele realmente desejou me ajudar?” A cada passo dado, os pés se ressentiam da sujeira  e escorregavam dentro da sandália. Será que ele lamberia meus pés? Só os pés?
De vez em quando eu me recordo daquela noite na padaria.

De vez em quando eu compro coalhada e derramo nos meus pés.   

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

O anjo

O ANJO

            O tiro tinha passado tão perto que o calor queimou a pele do pescoço. Era o chamado “raspão”. Por preciosos milímetros, ele escapara de fazer parte das estatísticas da polícia.
            Ainda disparou duas vezes com seu revólver contra os homens da lei antes de desaparecer, correndo, no meio daquelas ruelas e becos escuros.
            Ao chegar em casa, fechou a porta com violência e, tão rapidamente quanto entrou, jogou-se na cama ofegante. As luzes permaneceram apagadas; as janelas fechadas.
            Esticou o braço e ligou o ventilador. Colocou o revólver debaixo da mesinha que apoiava o ventilador.
            Estava atento aos ruídos. Sirenes da polícia cortavam a noite. Às vezes, lá longe. Outras se aproximavam trazendo o medo.
            Uma hora depois, o silêncio da noite já não era mais interrompido pelas ações policiais. Desta vez, escapara. Mais uma vez.
- Preciso acabar com isso. Talvez não tenha tanta sorte da próxima vez. - Resmungou para si mesmo.
            - Não deve haver uma próxima vez, Valdo.
            - Quem está aí?  - Gritou assustado.
            Valdo levantou-se tão atabalhoadamente por causa do susto que derrubou o ventilador no chão. Procurou o revólver tentando identificar alguém no escuro do quarto.
            - Não pegue a arma. Não vim aqui para brincar de bang-bang.
            - Quem é você? O que quer aqui? - Em pé, tentava acender a lâmpada.
            - Não adianta acender a luz, Valdo. Acalme-se e ouça.
            A voz continuava grave e profunda, porém calma e suave.
            - Você não conseguirá me ver - continuou a voz no escuro - você somente me ouvirá. Eu sou seu anjo da guarda.
            - Quer me fazer de idiota? Apareça antes que eu me irrite mais ainda?
            - E você vai fazer o que se ficar mais irritado? Vais arrancar as penas das minhas asas. Ha, ha, ha.
            - Que brincadeira idiota é essa? Onde está você? Quem é você? Como entrou aqui?
            - Já disse. Sou seu anjo da guarda. Eu estou aqui. Sempre estou ao seu lado. Entrei com você.
            - Muito bem, meu anjo da guarda, diga então o que quer de mim e depois, por favor, dê o fora. Preciso descansar. Tive um dia cheio.
            - Eu sei disso, por isso quero conversar contigo. Mas, por favor, deixe o sarcasmo de lado. Ainda há pouco, você disse que devia largar essa vida. Vim para conversar sobre isso. É preciso que você abandone de vez essa vida. - A voz do anjo soou melíflua, como deve ser a voz dos anjos.
            - Vá para o inferno com essas bobagens - exasperou-se Valdo.
            - Para o inferno vai você desse jeito. A bala de hoje sentiu o cheiro do seu pescoço. Na próxima vez, entra no meio de sua testa. Aí sou eu quem vai rir e descansar um pouco. Não aguento mais ficar tirando você desses apuros. - O anjo mudou o tom de voz e falou com raiva.
            - Como você sabe da bala de hoje? Valdo assustou-se com a informação do anjo e baixou o tom da voz, assustado.
            - Como posso saber? Eu estava lá, seu idiota, protegendo sua carcaça inútil e me  ferrando todo. Eu não sou seu anjo da guarda? Se eu tivesse corpo feito de matéria, estaria parecendo uma peneira. Adivinha, graças a quem? - A irritação continuava na voz do anjo.
            Valdo, assustado com a conversa, perguntou timidamente se podia acender a luz. Mesmo que o seu interlocutor não pudesse ser visto, ele acreditava que a iluminação traria mais conforto àquela situação. 
            - Quer que todos saibam que você está em casa? Acho uma insensatez.
            - Bem, é que...
            - Quer me ver, não é? Já disse que não podes me ver. Quando muito, poderá ver umas sombras projetadas na parede, mas não creio que isso seja interessante no momento. O escuro e o silêncio são os nossos melhores companheiros. Cale-se e ouça o que tenho a dizer.
            Valdo ouviu a preleção do anjo. Este respondia às questões do bandido, que cada vez mais se convencia de ter que deixar aquela vida.
            - E os meus companheiros? Eles não vão aceitar esta saída. Vão me cobrar e, quem sabe, até me pressionar, daquele jeito, para que eu não saia do crime. Eles têm medo que eu os denuncie.
            - Você tem razão, Valdo. Mas parece que você se esqueceu de que eu estou aqui. Se eu lhe salvei, com você fazendo coisas erradas, imagine agora se você fizer coisas acertadas. Além do mais, se você tem amigos eu tenho os meus também, não acha? Façamos cada um a parte que nos toca e tudo sairá bem no final.
            - É, anjo, você tem razão. Mesmo assim, não sei como fazer isso. Você sabe que já pensei nisso várias vezes. Instigou ao anjo.
            -Eu sei, eu sei, Valdo. Mas, já disse e repito, não se preocupe com isso. Afinal de contas, eu sou o seu protetor. Vou-me embora agora. Vá dormir.
            - Espere! Você não pode ir assim! – Protestou Valdo.
            - Por que não? Eu cheguei assim e posso sair assim também.
            - E como faço para vê-lo novamente:
            - Ver-me? A voz do anjo saiu ironicamente diabólica.
            - É força de expressão. Como posso falar de novo com você?
            - É só falar. Eu estou aqui sempre ao seu lado, esqueceu?
            - Mas...
            - Boa noite, Valdo. Boa noite.
            Valdo correu e acendeu a lâmpada. O quarto iluminado mostrava que ele estava sozinho. O ventilador caído ao chão ainda funcionava. Saiu do quarto, foi até a sala, olhou a casa toda e não encontrou nada. Estava sozinho. Aborrecido, intrigado e cansado, Valdo não tinha outra opção. Deitou-se e foi dormir.
            Na manhã seguinte, levantou-se tarde e saiu para tentar saber das notícias. Acreditava que estava salvo, já que nada acontecera até ali. A polícia não foi procurá-lo e tudo estava bem.
            Os vizinhos nem olharam de lado como costumava acontecer. Nenhuma conversa. Tudo normal. Ótimo. Isso favorecia a atitude que deveria ser tomada. A decisão de abandonar de uma vez por todas aquela vida marginal. A partir de hoje, vida nova, Valdo. Vamos fazer diferente para ser diferente. Nada de Valdo. O nome agora é Ivaldolino Neto. Sempre fiz vergonha ao nome de meu avô, agora é hora de recuperar a honra.
            - O anjo vai me ajudar. Estou certo disso. Não vai anjo? Você está aí me ouvindo, não está? Claro que está, sei disso. Senão não seria meu anjo da guarda.
            Enquanto falava consigo mesmo, alegre e sorridente, atravessava as ruas sem estar, na verdade, indo para lugar nenhum.
            - Ei, que tanta gente é aquela ali na frente? Parece um enterro. Estão mesmo levando um caixão. Quem será que morreu? Eu conheço aquelas pessoas que estão fazendo o cortejo.
            Valdo reconheceu alguns amigos e moradores e até alguns familiares seus. Apressou o passo e encostou-se ao caixão ao lado de um homem que cedera o lugar para que pudesse pegar uma das alças.
            - Quem morreu? - Perguntou baixinho ao desconhecido.
            - Foi você, Valdo. Sinto muito, mas não consegui evitar aquela bala no pescoço. Sinto muito.
    


Leia os contos do livro Senhores Cores

A partir de agora vou publicar na íntegra os contos publicados no livro Senhores Cores.
É uma oportunidade que você terá para visitar o mundo literário sem precisar pegar no papel.
Espero que goste da leitura.
Aguarde só mais um pouco.

domingo, 22 de maio de 2011

Bons eventos a participar


Na jornada será oferecido mais um curso de Ilustração e Normalização Editorial para livros infantis: pela manhã para iniciantes e à tarde, o intermediário, para quem já fez o primeiro.

domingo, 1 de maio de 2011

Blogs

Investindo sempre na área literária, aproveito para repassar links para blogs ligados na produção de livros e ilustrações:
O Ilustrações UFPE, o blog da LIJ-PE e o da AEI LIJ.


Associado à

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Senhores Cores na Paraíba


Depois de uma viagem rápida e confortável, os Senhores Cores chegaram à Paraíba. Os exemplares estão à disposição dos leitores nas bibliotecas da UFPB nos Campus de Areia, Campus do Litoral Norte, em Mamanguape e Rio Tinto, no Campus de Bananeiras, e no Campus de João Pessoa (Bibliotecas Central e do CCHLA).

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Senhores Cores é Federal

Agora os candangos podem ler o livro Senhores Cores e outros Contos.
Já se encontram disponíveis alguns exemplares na Biblioteca Central da UnB para o público.

sábado, 29 de maio de 2010

Senhores Cores na Rádio Folha de Pernambuco FM


Sábado, dia 05 de junho, estaremos estreando o programa Esse Tal Chorinho na Rádio Folha, às 19 horas. A emissora pode ser acessada pela internet.

O programa apresentará entrevistas com quem toca e compõe choro, dicas e agenda do choro além de um pequeno histórico sobre o choro e seus principais personagens.

Depois da emissão radiofônica vamos disponibilizar as gravações dos programas no blog Choroteria Recife.

O programa "Esse tal chorinho" é resultado de um projeto cultural aprovado no Funcultura, da Fundarpe, e ficará no ar, pelo menos, até junho do ano que vem. Vai dar pra chorar um bocado...

Tem a produção e apresentação de Carlos Dantas, Evelynne Oliveira e José Arimatéa, e a locução de Adelson Cunha.

E em cada programa faremos o sorteio de, pelo menos, um exemplar dos Senhores Cores. Aproveite e participe do programa.

sábado, 22 de agosto de 2009

No Rio de Janeiro

Os Senhores Cores já podem ser encontrados na Livraria Largo das Letras no bairro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro. Só a visita ao lugar já vale a viagem.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Em João Pessoa e no Rio de Janeiro


Entrando em férias, estou preparando a bagagem para viagens com destino a João Pessoa, Paraíba e depois do Rio de Janeiro. Senhores Cores volta ao ar depois da ida à Bahia.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Onde encontrar


O livro "Senhores Cores" agora pode ser encontrado, também, na Griffe UFPE e na Livraria e Papelaria Boa Viagem.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Com Dimas e os petiscos Victor, leitor do presente e do futuro.
Kelvin, dando força e apoio à cultura.
Andréa e Neto ladeando as cores.
Numa pose com Jaqueline.

O que é que a Bahia tem?

Com Roberto, xará de cores. Papo cabeça com Daniela, Prof. Agnaldo e Abílio.
Ana, ansiosa para ler os contos e publicar suas poesias.
Prof. Agnaldo, leitor de tudo que é bom.
Rogério Mário, em Lençóis.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Senhores Cores em Feira de Santana


Dia 26 de dezembro, às 18 horas, é o momento de Feira de Santana, a princesa do sertão, receber todo o colorido dos Senhores Cores e outros Contos. A noite de lançamento do livro, na Bahia, acontecerá na Av. João Durval Carneiro, 90, próximo à Faculdade Anísio Teixeira, em frente ao viaduto.
O evento está sendo coordenado pela professora Jaqueline Mendonça Amaral Brasileiro e certamente será um sucesso de bom gosto. Não deixe de prestigiar. Estaremos lá para trocar um abraço com os amigos e brindar os festejos de fim-de-ano.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Autógrafos na Licoteria Noctívagos em Olinda




Fernando (Senhor Licor) vestido de Senhores Cores...
Em frente a Licoteria, passando a Pitombeira.

D. Zeza, prestigiando o evento.

Na porta da Licoteria.Gabriela, Rafael, eu e Mariana.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Na Licoteria Noctívagos em Olinda


Domingo, dia 14, estaremos na Licoteria Noctívagos, que fica na Rua 13 de Maio, 03, em Olinda. A partir das 5 da tarde, apareça para tomar um licor (são mais de 20 sabores) e jogar conversa fora. O ambiente é descontraído e agradável.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

domingo, 7 de dezembro de 2008

Noite de Autógrafos - Mais fotos

Mário, Emmanuelle, Bárbara e Robinho.
Juraci, eu, Gilvando Paiva (o revisor) e Jane.
Arimatéa e seu regional abraçando os "Senhores Cores".
Neide e Ditinha.